Cisne Negro surpreende, assusta e seduz com arte e pesadelo
A simples menção do nome Darren Aronofsky faz qualquer cinéfilo tremer de excitação. Com apenas cinco longas no currículo, o diretor americano nascido no Brooklyn já possui uma sólida carreira de prestígio quase incontestável entre público e crítica. Depois de levar o Leão De Ouro por seu trabalho anterior, “O Lutador”, Aronofsky retorna com uma obra que aborda a fragilidade da mente humana e a perturbadora ambição que a move em busca de um sonho. “Cisne Negro”, que já acumula mais de 20 prêmios ao redor do mundo, além de concorrer em cinco categorias no Oscar 2011, é um misto de sonho e realidade que surpreende, assusta e seduz.
Desde o início é possível deduzir no que o filme se tornará no decorrer de sua trama: um pesadelo. Ambientado nos bastidores do prestigiado New York City Ballet, a trama gira em torno de Nina (Natalie Portman, aposta certa para o Oscar de Melhor Atriz), uma bailarina que se vê diante da chance de interpretar o papel principal em uma montagem de “O Lago dos Cisnes”, de Piotr Ilitch Tchaikovsky.
Insegura e sem amigos, Nina vive exclusivamente para a dança, sempre limitada à superproteção de sua mãe (a sumida Barbara Hershey, de “A Última Tentação De Cristo”). Pressionada por seu mentor e coreógrafo Thomas (Vincent Cassel, de “À Deriva”), Nina terá sua competência posta em xeque: sua fragilidade comprometeria a interpretação do papel que almeja, a Rainha dos Cisnes, visto que teria que interpretar simultaneamente o cisne branco (símbolo da pureza e ingenuidade) e o cisne negro (metáfora para a malícia, sensualidade e maldade).
O pesadelo da bailarina toma forma na figura de duas colegas de profissão: a veterana Beth (competente aparição de Winona Ryder), que foi forçada a abandonar a equipe por conta da idade, e a novata sedutora Lily (impressionante atuação de Mila Kunis, da série “That 70′s Show”). Enquanto Beth ilustra passado e futuro, Lily personifica o inimigo interno de Nina no presente.
Na busca pela perfeição e na tentativa de provar a Thomas que é capaz de expor seu lado mais selvagem, Nina é conduzida de tal forma pelo papel que interpreta que não consegue perceber os limites entre sonho e realidade, que começam a definir sua vida. Aos poucos, seu destino se sobrepõe ao enredo de “O Lago Dos Cisnes”. Seu lado negro, exemplificado pela essência de sua feminilidade, aflora e toma conta de sua personalidade sem que ela consiga controlá-lo. Dá-se inicio a uma metamorfose (física, mental, imaginativa, real, ou todas ao mesmo tempo) que conduzirá a protagonista a conflitos que levarão, personagens e plateia, a um destino perturbador.
Natalie Portman, a alma do filme, brilha grandiosamente neste papel que lhe exigiu esforço intenso em conhecimento, aprimoração e domínio das técnicas de dança. Foram quase 12 meses de preparo para que a atriz conseguisse expor, de maneira plausível, o retrato de uma bailarina devorada pela ambição. A atriz, que já havia sido indicada ao Oscar pelo seu papel coadjuvante em “Closer – Perto Demais”, dificilmente sairá da cerimônia deste ano sem a estatueta de Melhor Atriz em mãos. “Cisne Negro” concorre ainda nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Fotografia e Edição – reconhecimento mais que merecido. Lamenta-se apenas a Academia não ter indicado a avassaladora atuação de Mila Kunis como coadjuvante.
Aronofsky arquiteta uma trama de padrões narrativos complexos, cujo ritmo é determinado pela constante mudança entre sonho e realidade, que tornam o filme uma experiência sensorial inebriante. O estilo visual de “Cisne Negro” se molda por cortes rápidos, movimentos vertiginosos de câmera e close-ups espetaculares que promovem uma assombrosa harmonia entre o que se vê, o que se ouve e o que se sente na tela. Enquanto os olhos são paralisados pela beleza da composição cênica (principalmente a cena em que Nina dança e se “transforma” em cisne), os ouvidos são tomados pela penetrante trilha sonora – que utiliza trechos da peça de Tchaikosvky, música eletrônica dos Chemical Brothers e as composições de Clint Mansell, parceiro tradicional de Aronofsky.
É possível sentir na pele cada arranhão, cada sangramento, cada ferida a cicatrizar no corpo da personagem. À medida em que cresce a paranóia de Nina, cresce o interesse do espectador pelo desfecho da trama.
Ao optar por elucidar as artimanhas do roteiro através de imagens e não por palavras, como usualmente acontece em Hollywood, o diretor convida o público a apreciar a loucura e a sensatez de sua protagonista sem propor julgamentos. “Cisne Negro” é construído sobre a ambiguidade e reside aí seu maior atrativo. Darren Aronofsky monta espelhos e materializa ilusões que promovem excitação, curiosidade, medo e angústia a quem se propor imergir completamente em sua história. Cenas que se mostram inofensivas revelam-se brutais e momentos de extremo impacto psicológico acabam por prestar-se inspiradores.
Depois da recepção morna do fantasioso “A Fonte Da Vida” (2006) e de toda a badalação em torno de “O Lutador” (2008), o cineasta adota um estilo narrativo que aproxima “Cisne Negro” de seus primeiros trabalhos: assim como em “Pi” (1998) e “Requiem Para Um Sonho” (2000), o espectador não conseguirá sair indiferente ao final da sessão. Seja pelo impacto do desfecho, seja pela pressão psicológica compartilhada com os personagens, o lado branco ou o lado negro do cisne interior que cada um carrega em si será convidado a se manifestar.
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