quarta-feira, 16 de março de 2011

A MULHER DA PÁGINA 194

Até a página 193 da edição de setembro da revista americana Glamour tudo estava normal: reportagens de beleza, moda, celebridades. Ao virar para a página 194, a leitora deu de cara com a modelo Lizzi Miller, de 20 anos, ilustrando uma matéria sobre autoimagem. Clicada de lado, ela aparece linda, loura, sorridente, seminua, os braços escondendo naturalmente os seios – mas não a barriga. E, de fato, havia uma barriga. Proeminente, mole, levemente caída. Alguma coisa estava fora da ordem. No mesmo dia, a revista recebeu dezenas de milhares de e-mails comentando o fato. As leitoras estavam surpresas. A maioria, feliz. “Estou sem fôlego de alegria… Amo a mulher na página 194!”, dizia uma das mensagens. “É essa a aparência de minha barriga após dar à luz meus dois filhos!”, escreveu outra. A fotografia virou notícia na internet, alvo de reportagens de outras revistas, como a Newsweek, e a modelo passou a ser conhecida como “a mulher da página 194”.

Editora-chefe da Glamour, Cindi Leive se surpreendeu com a repercussão. “A foto não era de uma supermodelo. Era de uma mulher sentada de lingerie com um sorriso no rosto e uma barriga que parece… espere… normal”, disse a jornalista no blog da publicação. Normal para as mulheres comuns. Mas não para as modelos de revistas, maquiadas e lapidadas pelos retoques digitais. O alvoroço em torno da barriga de Lizzi suscitou um debate: que tipo de beleza as mulheres querem ver nas revistas? Dono da agência 40 Graus, que lançou modelos como Paulo Zulu e Daniela Sarahyba, Sergio Mattos acha que uma revista feminina é lugar para mulheres de corpo perfeito. “Sou contra a magreza extrema, mas a boa forma é necessária. As leitoras estão comprando um ideal”, diz. Já para a antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro Mirian Goldenberg, autora de O corpo como capital, “ninguém aguenta mais ver só um tipo de mulher nas revistas”. Ela acredita que haja uma demanda pela diversidade. “Mais que estética, é uma demanda política pela fuga ao padrão. Por isso, não me espanta a discussão em torno dessa barriga”, afirma.

A aprovação das leitoras à foto da mulher da página 194 é mais um exemplo dos movimentos de libertação da imagem feminina. É muitas vezes de forma chocante que o padrão se rompe. Bem mais polêmica que a “quase-normal” Lizzi Miller, a cantora e estilista Beth Ditto virou ícone de moda e atitude nos Estados Unidos. Vocalista do grupo The Gossip, já posou nua na capa de duas revistas. Uma delas a elegeu a pessoa mais cool do planeta. Beth faz striptease em seus shows e já declarou que gosta de ser chamada de feia e gorda. Polêmica parecida aconteceu com a cantora Preta Gil, cujo primeiro CD, em 2004, trazia sua foto nua. Na época, afirmou: “Já tive um filho, quilos a mais, estrias e celulite. Fiz lipo, tomei remédio, fui parar no hospital por ficar sem comer. Hoje acho meu corpo bonito, sensual”. Para Mirian Goldenberg, esses casos mostram que o antigo slogan feminista “meu corpo me pertence” – ligado à questão da sexualidade – está ganhando uma nova conotação. “É como se a mulher dissesse: meu corpo é esse e pronto. A mulher nua passa de objeto sexual a sujeito político”, diz a antropóloga.

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